Lavar as mãos, utilizar máscaras, passar álcool em gel… todas essas medidas você já sabe que devem ser adotadas com os pequenos. Mas mais do que esses cuidados, também devemos nos ater a outro, muito importante: com a saúde mental das crianças.
Se antes os nossos pequenos podiam ir e vir para a escola, para a casa dos amiguinhos, para os parques, hoje isso não está sendo possível. E essa mudança, aliada ao isolamento social necessário, pode trazer problemas para a saúde mental de crianças e adolescentes.
“Um evento traumático massivo (que pode ser uma pandemia, mas também atentados e grandes catástrofes naturais) provoca um trauma agudo, que pode atingir crianças e adultos. O fato de não apresentarem sintomas agora não significa que não apareçam nos próximos meses. As crianças estão sujeitas a um perigo invisível que provoca mortes, em uma situação de extrema gravidade, inesperada, chocante, que provoca uma reação normal do organismo no nível psicológico, e isso já está sendo registrado pelas pesquisas dos primeiros estudos que tentam medir como a pandemia está afetando a saúde mental”, assinala Abigail Huertas, psiquiatra do Hospital Gregorio Marañón de Madri e porta-voz da Associação Espanhola de Psiquiatria da Criança e do Adolescente. “A essa ameaça invisível se somam outros fatores estressantes, como a perda da rotina escolar e do relacionamento social com os amigos. Também é possível que algum familiar tenha passado a doença isolado em um quarto da casa, ou que tenha sido levado de ambulância para o hospital. Talvez a criança tenha sofrido alguma perda e não tenha podido assimilar o luto, nem se despedir, ou talvez seus pais tenham ficado desempregados, com tudo o que isso implica. Sempre assinalamos que o ambiente da criança é fundamental para sua saúde mental: se os pais não estiverem bem, as crianças não estarão bem”, acrescenta.
Um dos primeiros estudos sobre o impacto psicológico do coronavírus, feito com 1.210 pessoas em 194 províncias da China, incluindo 344 jovens de 12 a 21 anos, revelou que 53,8% dos pesquisados consideravam moderado ou grave esse impacto, 16,5% relataram sintomas depressivos moderados a graves e 28,8%, sintomas de ansiedade moderada a grave. O principal medo (75,2% dos pesquisados) era que algum parente contraísse a doença. Outra pesquisa, feita com 4.872 pessoas na China, alertou para o perigo da “infodemia”, o excesso de informações sobre o coronavírus através das redes sociais, que aumentou significativamente a prevalência da depressão, da ansiedade e da combinação das duas. Por isso, psicólogos e psiquiatras recomendam limitar a exposição das crianças às notícias.
Confinamento e depressão
Os problemas de saúde mental têm a ver não só com o medo de um vírus invisível, mas também com o distanciamento social. Vários estudos preliminares apontam a relação entre longas quarentenas e maior angustia psicológica, que pode se manifestar como pesadelos, terrores noturnos, medo de sair de casa de que seus pais voltem ao trabalho, irritabilidade, hipersensibilidade emocional, apatia, nervosismo, dificuldade de concentração e até um leve atraso no desenvolvimento cognitivo da criança.
Em 2013, a Universidade de Kentucky publicou uma análise do impacto das medidas de isolamento como controle de doenças, segundo a qual 30% das crianças confinadas e 25% de seus pais atendiam aos critérios para diagnosticar transtorno de estresse pós-traumático. Uma pesquisa recente, realizada na província chinesa de Hubei, destacou o aumento de sintomas depressivos e de ansiedade em uma amostra de 2.330 estudantes, depois de apenas 34 dias de confinamento devido ao coronavírus.
Na Espanha, um dos países com medidas mais rígidas de confinamento, os menores de 14 anos não saíram de casa entre 15 de março e 26 de abril, quando foram autorizados os primeiros passeios. O Grupo de Pesquisa, Análise, Intervenção e Terapia Aplicada com Crianças e Adolescentes da Universidade Miguel Hernández iniciou um estudo pioneiro, que analisa o impacto emocional do confinamento em crianças italianas e espanholas, através de 1.143 pesquisas com pais que têm filhos de 3 a 18 anos.
“Nosso objetivo é examinar como o confinamento afeta crianças e adolescentes, a fim de que os resultados sirvam de guia para que pais e profissionais detectem e previnam esses possíveis problemas. Os resultados indicam que a quarentena imposta devido à Covid-19 afeta psicologicamente as crianças. Embora tenham grande capacidade de adaptação a novas situações, parece que não têm habilidades suficientes para enfrentar a situação de confinamento vivida na Espanha sem se afetar emocionalmente”, afirma Mireia Orgilés, uma das autoras do estudo, que posteriormente incluirá também dados de Portugal.
Nove de cada dez pais relataram mudanças no estado emocional e comportamental de seus filhos, em comparação com antes da quarentena. “Além disso, os hábitos também mudaram: 25% das crianças passaram a comer mais do que o habitual, 73% usaram dispositivos eletrônicos mais de 90 minutos por dia, em comparação com 15% que faziam isso antes da quarentena, e apenas 14% praticavam 60 minutos diários de atividade física, que é o recomendável segundo a Organização Mundial da Saúde”, assinala Orgilés. Diferenças nas medidas de confinamento, segundo sua pesquisa, fizeram com que as crianças espanholas ficassem mais afetadas psicologicamente do que as italianas.
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